quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Certa hora do dia (*texto inspirado no conto "Amor" de Clarice Lispector)

Esse texto aí fiz já há um tempo atrás... e caiu com uma luva nas aulas e provas da professora Malu!... É uma pequena adaptação da vida da personagem Ana, em uma vida muito mais emocionante.


Certa hora do dia

Quando minhas células não são consumidas por ritalina, sou muito normal. Tenho o prazer de ser uma pessoa normal, firme, concreta, determinada. Muito bem, obrigado. Tento abaixar os meus sonhos até o nível que seja possível alcança-los. Tento sonhar com os pés no chão.
De manhã, o barulho do despertador invade as profundezas do meu sono e me arranca chorando de lá. Pareço não ser muito bem-vinda à realidade. O barulho é tão insuportável e irritante que apesar de durar apenas uns segundos, geram traumas que duram o dia inteiro. Tudo que me faz lembrar o barulho estridente do despertador, me prende num flashback e utiliza forças e violência para me tirar da irritante realidade e mostrar que eu não sou dona da minha vida. Ótima maneira de começar o dia.
Ao lavar o rosto, a água gelada também me mostra que eu não tenho o poder de controlar minhas vontades. Mas tento controlar o máximo possível os meus inimigos da manhã, devorando todos os barulhos causados pelos movimentos do ponteiro maior, devorando a água gelada da pia, devorando o café da manhã, devorando o tempo.
Nas ruas, atrasada e mal-humorada como sempre, tento devorar também os passos das pessoas. É incrível como algumas andam tão devagar. Eu gostaria que a lentidão delas não fosse algo tão perturbador. Gostaria que elas andassem um pouco mais rápido do que um passo por segundo, para não me lembrarem barulho do relógio e não me mostrarem que eu não sou dona da minha vida.
As pessoas são fechadas nas ruas. Algumas ficam com olhares perdidos, outras não. Umas com caras de sono, outras não. Umas brancas como a neve. Parecem estar com os rostos gelados, justamente numa manhã fria. E outras possuem caras redondas. Caras de relógio.
As faixas de pedestres são tediantes. São todas iguais. Simétricas. Possuem intervalos de espaços iguais. Eu passo por elas todas as manhãs, que por ironia do destino também são todas iguais. Isso dá nervoso. Mas são branquinhas como glacê de bolo de aniversário de criança. Com essa associação, fico com vontade de comer as faixas de pedestres, mas não tenho tempo o suficiente para isso. Atravesso a rua, passo pelo parque no centro da cidade, olho ironicamente para as árvores e tento gritar com uma voz mais estridente que a voz do relógio: Estou indo para Torges. Lá todo mundo é feliz.
Lá em Torges não encontramos cegos mastigando chicletes pelas esquinas poluídas e movimentadas antes mesmo do sol nascer. Lá, não precisamos resgatar os nossos ídolos assombrados nos tédios matinais. Lá em Torges tudo é lindo. Acredito que as pessoas não sentem fome em Torges. Em Torges as pessoas não precisam de relógio.
As aulas são praticamente todas iguais. Basicamente, os professores andam de um lado para o outro, explicam palavras, escrevem algumas coisas e vão embora. É irritante também saber que aquelas palavras e letras são as mais importantes do dia e que elas poderão mudar a sua vida, te colocando na universidade. Só não pisque durante a aula, porque quem pisca menos tem mais chance de entrar lá do que você. Cuidado! As suas piscadas podem acabar com sua vida, podem engolir o seu tempo, a sua carreira, a sua vida. O barulho do giz também é irritante e se você prestar o máximo de atenção possível, lembrará, lá no fundo, o barulho do relógio. Mas isto só acontece se você prestar muita atenção e ser ao mesmo tempo traumatizada com o despertador. Se possível, tente fazer isso sem tirar a atenção da aula e sem piscar. Ou melhor, nunca tente fazer isso. A sua consciência pode querer se vingar de você. O único som selecionado que atravessa os tímpanos dos seus concorrentes, é o timbre da voz do professor e nem a mosca azucrinante que lembra o barulho invisível do relógio os incomoda. As diferenças começam a aparecer.
Durante as tardes, durmo um pouco depois do almoço, sou acordada pelo despertador e fico me indagando durante cinco segundos se está na hora de ir para a aula, enquanto já é de tarde. Isso também acontece com alguns dos meus amigos.
Lavo o rosto, sento, respiro, tento lembrar não só o que o professor disse na sala de aula, mas também os ruídos da sua voz e o barulho do seu giz no quadro "porque o meu concorrente guarda esses momentos para o resto de sua vida".
Estudo. Estudo. Estudo. Sou apenas mais um perdido no meio da multidão. Quase todos os meus concorrentes fazem isso. Tal fato só retorna e fixa mais ainda a tese de que eu sou normal. Tenho rotina semelhante a de várias pessoas. Tenho medo, sonhos, medo, sonhos, sonhos, medo, sonhos, medo. Talvez eu pareça um personagem de desenho animado egocêntrico que nem conheço, ou tenha a rotina semelhante aos astros de rock excêntricos fora dos palcos. Não gostaria de ser excêntrica. Eu não sou excêntrica.
Dia legal. Rotinas cumpridas.
Certa hora do dia, já à noite, antes de dormir apago a luz, sento no sofá e coisas incríveis começam a acontecer. Me sinto com medo. Estou com medo de mim.
Os objetos começam a girar devagar em volta da minha cabeça. Tão devagar! Eu gostaria que a lentidão dos objetos não fosse algo tão perturbador. Gostaria que eles girassem um pouco mais rápido. Alguns lembram personagens de filmes de drama, outros lembram personagens de filmes de terror. Eles não são normais. São diferentes de tudo. Excêntricos.
Começo a encara-los, tento devora-los ao máximo... Tento ter posse de cada cor, cada som, cada sentimento... Mas eles são mais fortes do que eu. Talvez, como sinal de vingança por dá-los tanta importância, eles me devoram. Os meus sentimentos, os meus sonhos, agora cada vez mais altos, o relógio, o tempo, os olhares matinais de sono das pessoas ganham vida, formas e vontade própria. Eles consomem cada pedacinho de mim, me fazem ficar fraca, frágil, sensível, idiota. Às vezes, me sinto feliz em ser excentricamente consumida por objetos. Às vezes, as mordidas são fortes. Atravessam o meu sangue e o sabor da cafeína que flutua nas minhas veias. Dói. Tento expressar, falar, escrever. Mas não tenho forças nem para piscar.
Para controlar essa situação sou obrigada a encarar a guerra dentro de mim, e todos os meus medos. Medo de ser diferente, medo de ser a única que tem medo, medo de não conseguir controlar nem sequer as matérias concretas. Medo de virar um banquete de Platão. Medo que as paredes me matem esmagada. Medo que a minha sensibilidade entre pela garganta e me mate sufocada, sugando todo o meu oxigênio. Medo de ficar presa em falsas civilizações. Medo que a máquina não seja forte o suficiente.
Ao final de cada noite, surgem pelo ar, as metáforas heróicas. Tento faze-las forte o suficiente para destruir todos os meus inimigos. Minhas lindas antíteses rainhas delicadas e fortes guerreiras. Às vezes elas são derrotadas, às vezes saem vitoriosas. E quando tenho o privilégio de presenciar suas incríveis vitórias, me emociono, pois elas salvam heroicamente minha vida. Os objetos choram, porque eles são apenas objetos e não me assustam mais. Me sinto segura. Ao contrário dos objetos elas não "sulgam" minha sensibilidade. Elas se tornam coroadas a minha própria sensibilidade. Me sinto feliz, tranqüila. Como se um peso tivesse saído das minhas costas.
Viro pro canto. Remexo a noite inteira.
Quando minhas células não são consumidas por ritalina, sou muito normal. Tenho o prazer de ser uma pessoa normal, firme, concreta, determinada. Muito bem, obrigado. Tento abaixar os meus sonhos até o nível que seja possível alcança-los. Tento sonhar com os pés no chão.
De manhã, o barulho do despertador invade as profundezas do meu sono e me arranca chorando de lá. Pareço não ser muito bem-vinda à realidade. O barulho é tão insurpotável e irritante que apesar de durar apenas uns segundos, geram traumas que duram o dia inteiro. Tudo que me faz lembrar o barulho estridente do despertador, me prende num flashback e utiliza forças e violência para me tirar da irritante realidade e mostrar que eu não sou dona da minha vida.
Ao lavar o rosto, olho pro meu reflexo no espelho e libero um breve sorriso. Quanto mais forte é a batalha, mais vingativos os objetos ficam, mais sensibilizada eu fico. Assim saem os melhores resultados. Hoje tenho novamente o direito de guardar o som do tempo passando, para que antes de dormir, ele fique irritado comigo, enquanto eu junto forças calmamente para derrota-lo. Por falar em tempo, estou atrasada! Ótima maneira de começar o dia.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O esteriótipo do blogueiro moderno

Se alguém me perguntasse hoje qual seria a razão de uma menina (ainda me considero uma menina, por causa do tamanho e dos sonhos) como eu criar um blog, provavelmente discordariam da minha resposta. Seria engano acharem que há destaque no mundo de hoje meninas de dezenove anos que gostam de postar fotos contando fofocas de noitadas, baladas, festas, chopadas e etceteras num mundo onde o blog é dominado por críticas construtivas de marcelo tas, denúncias políticas de reinaldo azevedo, divulgações e conselhos musicais de lucas lima e sentimentalismos de famosos que "in"conscientemente acabam mostrando suas emoções, dores de cotovelos e surras do namorado. Se essa imensa circunferência consegue englobar de jô soares a bruna surfistinha, por que não ser mais um no meio de multidão e escrever um blog, num mundo dominado pelo tautismo? Resposta complexa. Se me inspirasse mais nas aulas de teoria da comunicação e seguisse os passos do mestre Harold Lasswell, ele me daria um único motivo para escrever um blog: conteúdo. Quando se foge de uma massa cada vez mais caótica para "filosofar" sobre a realidade, para distribuir poesias gratuitas e para denunciar e deliberar ações equivocadas, sinto que começo a colocar em prática as teorias aprendidas em salas de aula, principalmente quando penso em professores explicando diferenças entre comunicações de massa, alta cultura e arte folclórica.

Voltando ao assunto... Por que escrever um blog?... Talvez para quebrar paradigmas já prontos pela sociedade que menina de dezenove anos gosta disso e escreve sobre isso e gosta disso e daquilo e que estudante de comunicação é maconheiro. E sentir uma maior liberdade de demonstrar meus sentimentos e opniões, num mundo onde o blog se tornou um dos poucos objetos não censurados. Instingar espírito crítico numa sociedade cada vez menos reflexiva é muito difícil, porém necessário. Ah! E é claro! Instingar meu próprio cérebro!

Total futilidade achar que alguma idéia ou opnião minha mudaria alguma coisa em algum lugar. Mas perseverança achar que a sua opnião sobre algum fato, mudaria muita coisa dentro de você.

A função diária de um blog, não é simplesmente publicar uma vida e sentimentos de "como estou me sentindo", "como acordei hoje" e "blá blá blás". É também um meio de tentar fazer com que suas idéias e opniões se tornem divulgadas e ao dispor de quem achá-las interessantes ou achá-las fúteis, ou achá-las padronizadas. Sim. Achar alguma coisa. Achar bom. Achar ruim. Mas achar.